Estudos têm apontado que crianças que participam de atividades esportivas vêm apresentando melhorias na sua socialização. Segundo Freire e Soares (2000), além de garantir o desenvolvimento educacional físico e de cooperação entre os colegas, o esporte proporciona desafios físicos e mentais e contribui para o desenvolvimento social, promovendo a identidade social e grupal. A relação entre esporte e bem-estar psicológico foi considerada como positiva para Weinberg e Gould (2001), e sugere que o aumento da sensação de controle, do sentimento de competência e da autoeficácia, além do lazer, proporciona interações sociais positivas, o autoconceito e a auto-estima. Para Machado, Cassepp-Borges, Dell'Aglio e Koller (2007), a ação educativa através do esporte pode servir para as crianças como um ambiente promotor de saúde e das mais diversas habilidades, sendo que o esporte, principalmente a educação pelo esporte, pode agir transformando potenciais em competências.
Entre as modalidades esportivas, pode-se destacar o judô, considerado um esporte educativo por excelência, que permite à criança expressar-se plenamente no contexto lúdico, canalizando sua energia e reforçando seu caráter (Nunes, 2004). Por meio de técnicas de autodefesa, o aluno aprimora o equilíbrio corporal, aprende a utilizar-se da disciplina e do respeito nas ações e reações, desenvolve a segurança e a autoconfiança. Aprende, ainda, a lidar com suas limitações e a controlar suas emoções. Além de ser uma atividade de relaxamento e de prazer, o judô é uma prática esportiva que desenvolve no aluno a concentração e a possibilidade de analisar e conviver com situações de sucesso e fracasso (Villamón & Brousse, 2002).
Para Longarezi (2003), a indisciplina é apontada como um dos principais obstáculos enfrentados por pais e professores em relação à educação das crianças, sendo relacionada à falta de noções de regras e limites por parte das crianças. Isso reforça a relação que se estabelece entre o comportamento indisciplinado da criança e sua formação moral, indicando, portanto, que a raiz desse problema está, também, no tipo de educação moral que as crianças vêm recebendo. Este aspecto também é apontado na bibliografia especializada (Araújo, 2001; La Taille, 1992b; Menin, 1996; entre outros), que trata o tema sob o prisma da moralidade, situando a indisciplina como decorrência do enfraquecimento do processo de desenvolvimento moral (Longarezi, 2003).
Dessa forma, este estudo procurou discutir teoricamente a relação que se pode estabelecer entre a prática do judô e o desenvolvimento moral de crianças. Para isso foram levantadas questões referentes ao desenvolvimento moral, suas fases e estágios, relacionando com situações de aulas de judô com crianças.
Projeto
DESENVOLVIMENTO MORAL
O desenvolvimento humano acontece através de um conjunto de relações interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer, envolvendo aspectos cognitivos, morais e afetivos presentes nas interações. Para Piaget (1932/1994), o desenvolvimento da moral ocorre por etapas, de acordo com os estágios do desenvolvimento humano, e abrange três fases: (a) anomia (crianças até cinco anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, de dever; (b) heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade), em que a moral é igual à autoridade, ou seja, as regras não correspondem a um acordo mútuo firmado entre os indivíduos, mas sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável; (c) autonomia, corresponde ao último estágio do desenvolvimento moral, onde há legitimação das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, ou seja, o respeito a regras é entendido como decorrente de acordos mútuos entre os indivíduos, sendo que cada um consegue conceber a si próprio como possível 'legislador' em regime de cooperação entre todos os membros do grupo.
Na medida em que a criança cresce, ela vai percebendo que o mundo tem suas regras. Ela descobre isso também nas brincadeiras com as crianças maiores, que são úteis para ajudá-la a entrar na fase de heteronomia. Segundo Piaget (1932/1994), a criança quando vivencia o estágio chamado heterônomo, isto é, onde as regras são estabelecidas e provindas de uma ordem exterior de maneira determinada e imposta, acaba concebendo a regra como algo correto que deve ser seguido e obedecido, caso contrário há uma consequência (punição) que não é agradável.
Na moralidade heterônoma os deveres são vistos como externos, impostos coercitivamente e não como obrigações elaboradas pela consciência. O bem é visto como o cumprimento da ordem, o certo é a observância da regra que não pode ser transgredida nem relativizada por interpretações flexíveis. A responsabilidade pelos atos é avaliada de acordo com as consequências objetivas das ações e não pelas intenções. O indivíduo obedece às normas por medo da punição e na ausência da autoridade ocorre a desordem e a indisciplina (Piaget, 1932/1994).
Na terceira etapa do desenvolvimento moral, na moralidade autônoma, o indivíduo adquire a consciência moral. Os deveres são cumpridos com consciência de sua necessidade e significação; possui princípios éticos e morais; e o indivíduo é responsável, auto-disciplinado e justo, mesmo quando há ausência da figura de autoridade. A responsabilidade pelos atos é proporcional à intenção e não apenas às consequências do ato (Piaget, 1932/1994).
Essas fases se sucedem sem constituir estágios propriamente ditos. Vamos encontrar adultos em plena fase de anomia e muitos ainda na fase de heteronomia. Poucos conseguem pensar e agir por suas próprias ideias, seguindo sua consciência interior (Piaget, 1932/1994). Segundo a teoria de Piaget, a moral vem do respeito que adquirimos às regras, mas este começa no respeito que temos às pessoas que nos impõe tais regras. Primeiro respeitamos pessoas, depois regras. Há, no entanto, dois tipos de respeito por pessoas: o unilateral e o mútuo (Menin, 1996).
Segundo La Taille (2000, p.112), "...respeitar alguém significa reconhecê-lo como sujeito de direitos morais". O marco zero do respeito é aquele derivado do reconhecimento do outro como possuindo direitos. Por exemplo, como todo ser humano tem direito à integridade física e psicológica, é moral tratá-lo respeitando seu corpo e sua mente. Se for reconhecido a alguém um direito, os outros têm o dever de respeitá-lo. Ora, entre as virtudes, apenas uma parece corresponder ao binômio direito/deveres: a justiça. Sendo imperativo que é um direito de cada um ser tratado de forma justa, é também imperativo que cada um aja de forma justa, ou que pelo menos procure pautar suas ações no ideal de justiça. Daí resultar uma moral de regras (que podem ser inúmeras e sempre por ser criadas): os deveres traduzem-se em regras de conduta que podem ser formuladas com razoável clareza (La Taille, 2000).
De acordo com Piaget (1932/1994) e Pierre Bovet (1925 citado por Araújo, 2001), o respeito é fruto da coordenação entre dois sentimentos: o amor e o temor. Da coordenação dialética entre esses dois sentimentos nas relações interindividuais é que surgirá, por exemplo, a obediência da criança aos pais e aos mais velhos. Uma criança respeita seus pais porque ao mesmo tempo em que gosta deles teme perder seu amor, ou mesmo sofrer punições. No caso do respeito mútuo, na relação entre esses dois sentimentos o que prevalece é o amor. É a afetividade ou o amor nas relações entre as pessoas que permite que o medo presente na relação não seja o da punição, e sim o de decair perante os olhos do indivíduo respeitado. Esse medo é totalmente diferente do medo da punição, característico dos sujeitos heterônomos. O medo de decair perante os olhos daqueles a quem se estima é característico do sujeito autônomo, que regula suas relações na reciprocidade e na consideração pelas outras pessoas (Araújo, 2001).
Quando pequenas, as crianças têm pelos adultos um respeito unilateral: ela respeita muito mais o adulto do que este a ela. Por melhor que seja a relação criança-adulto, onde há poder atuando de um sobre o outro de forma desigual, isto se estrutura como uma relação de coação. Na coação, o adulto impõe à criança o que esta deve fazer e fornece consequências positivas ou negativas conforme suas ordens sejam seguidas ou não. A criança obedece, por medo, por afeto, e acaba se moldando ao adulto, imitando-o (Menin, 1996).
Outra característica das crianças pequenas é o egocentrismo. Caracteriza-se por uma incapacidade emocional, intelectual, social e até perceptiva das crianças pequenas. Sendo egocêntricas, centradas em si mesmas, elas não conseguem perceber que há pontos de vista diferentes do próprio; elas não conseguem se colocar no lugar do outro e enxergar qualquer coisa do mundo de uma perspectiva que não seja a própria. Resumindo, egocentrismo é ver o mundo de uma única perspectiva - a própria (Menin, 1996).
Em relação ao desenvolvimento moral, o que vemos nas crianças é a interação do egocentrismo e da coação. Coagido socialmente a obedecer, a criança imita o adulto; coagido psiquicamente pelo egocentrismo, a criança não sabe que imita e age como se tudo tivesse sido sempre assim. Para as crianças, o que vem dos mais velhos é sagrado e deve se conservar eternamente, caracterizando então a moral do dever, ou seja, a heteronomia (Menin, 1996).
Quando agimos pensando apenas nas consequências externas e imediatas de nossos atos ou quando seguimos certas regras por simples prudência, interesse, inclinação ou conformidade, estamos sendo, para Kant, heterônomos. Segundo Piaget, para que esta reprodução deixe de existir, é necessário que aconteça duas coisas: a cooperação e a descentração (Menin, 1996).
Temos então a outra forma de respeito que podemos adquirir pelas pessoas: o respeito mútuo. Numa relação em que haja igualdade de poderes entre as pessoas fica facilitada a interação entre elas na forma de cooperação. Cooperação, para Piaget, é estabelecer trocas equilibradas com os outros, sejam estas trocas referentes a favores, informações materiais, influências, etc. A cooperação provoca a descentração, ou seja, a diminuição do egocentrismo (Menin, 1996).
Quando decidimos seguir certas regras, normas ou leis por vontade própria, independente das consequências externas imediatas, estaremos sendo autônomos. Na autonomia, a obediência a uma regra se dá pela compreensão e concordância com sua validade universal. Obedecemos porque concordamos que os motivos para a ação poderiam tornar-se "leis universais", ou seja, seriam um bem para todos. Por outro lado, na heteronomia a obediência a uma regra se dá pelo medo à punição ou pelo interesse nas vantagens a serem obtidas pessoalmente (Menin, 1996).
A moralidade, portanto, implica pensar o racional, em três dimensões: a) regras: que são formulações verbais concretas, explícitas (como os 10 Mandamentos, por exemplo); b) princípios: que representam o espírito das regras (amai-vos uns aos outros, por exemplo); c) valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida, permitindo entender de onde são derivados os princípios das regras a serem seguidas (La Taille, 2000). Assim sendo, as relações interindividuais que são regidas por regras envolvem, por sua vez, relações de coação, que corresponde à noção de dever, e de cooperação, que pressupõe a noção de articulação de operações de dois ou mais sujeitos, envolvendo não apenas a noção de 'dever' mas a de 'querer' fazer. Portanto, o papel das relações interindividuais no processo evolutivo do homem é focalizado sob a perspectiva da ética (La Taille, 1992a). Isso implica entender que "...o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas não condição suficiente, pois uma postura ética deverá completar o quadro" (La Taille, 1992a, p. 21).
A razão como elemento ordenador da relação do sujeito com o mundo se imporia em todas as esferas da vida humana. Os experimentos originalmente desenvolvidos por Piaget com crianças pequenas sobre jogos de regras apontam para uma relação de dependência entre o desenvolvimento moral e a capacidade cognitiva, e associam o desenvolvimento moral à flexibilidade das crianças em realizar operações de descentração e coordenações cognitivas entre seu ponto de vista e o de outras pessoas. Esta linha de investigação percebe o desenvolvimento moral como expressão de um dos aspectos da organização estrutural da cognição, propondo a existência de critérios que se aplicariam universalmente aos aspectos cognitivos e sociais do desenvolvimento humano (Martins & Branco, 2001).
A autonomia moral pressupõe a capacidade racional de o sujeito compreender as contradições em seu pensamento, em poder comparar suas ideias e valores às de outras pessoas, e estabelecer critérios de justiça e igualdade que muitas vezes o levarão a se contrapor à autoridade e às tradições da sociedade para decidir entre o certo e o errado. O desenvolvimento da consciência lógica e moral, portanto, é fruto de condições psicossociais presentes na interação do indivíduo com a sociedade e o mundo (Araújo, 2001).
Segundo Nucci (2000), moralidade em sua acepção cotidiana refere-se simplesmente às normas de condutas certas e erradas. No entanto, a questão é o que significa o certo e o errado moral e quais critérios serão usados para julgar o erro nas condutas. Segundo a Teoria piagetiana, toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras. Isso porque, nos jogos coletivos, as relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores, sendo que o dever de 'respeitá-las' implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade (La Taille, 2000).
Os conceitos de moralidade são estruturados a partir de concepções subjacentes de justiça e bem-estar (Turiel, 1983 citado por Nucci, 2000). Moralidade, então, pode ser definida a partir dos conceitos do indivíduo, de seus raciocínios, e de ações que se referem ao bem-estar, aos direitos e ao tratamento justo das pessoas. Moralidade, definida em termos de justiça, bem-estar e direitos, pode ser distinguida dos conceitos de convenção social, os quais são padrões de conduta consensualmente determinados dentro de certo grupo social (Nucci, 2000).
De acordo com a descrição padrão de Kohlberg (1984 citado por Nucci, 2000), o desenvolvimento moral passa das fases iniciais - nas quais compreensões morais de justiça são entrelaçadas a prudentes interesses pessoais e às preocupações concretas com a autoridade social - para compreensões morais baseadas em convenções nas quais a moralidade (justiça) é entrelaçada à preocupação em manter a organização social definida por regulamentações normativas. Nos estágios mais altos da moralidade, baseada em princípios, alcançada apenas por uma minoria da população, a moralidade entendida como justiça é completamente diferenciada de considerações não morais de prudência ou considerações convencionais. Assim sendo, a moralidade serve como base por meio do qual o indivíduo não só orienta suas ações pessoais, como também é capaz de avaliar a moralidade do sistema normativo de convenções da sociedade (Nucci, 2000).
A importância das convenções reside em sua função de coordenar a interação social e o discurso dentro de sistemas sociais. Assim, os indivíduos tratam algumas formas de comportamento social como condutas morais universais; outras, como sujeitas a determinações da cultura local ou normas sociais; e outras, ainda, como uma questão de escolha pessoal (Nucci, 2000).
Assim, as crianças descobrem o verdadeiro sentido das regras - consciência - quando começam a praticá-las entre si em situação de cooperação no grupo. A "moral do bem", como chamou Piaget, é aquela guiada não pelo risco de punição ou promessa imediata de prêmio, mas pela solidariedade aos outros, ou, como o autor enfatiza, pela "regra de ouro" da reciprocidade (Menin, 1996). Reciprocidade se refere a um modo de se relacionar com os outros onde todos têm as mesmas oportunidades e chances de participação e de interação no grupo, seja num grupo, num jogo, no trabalho, nas discussões políticas, na vida. A "universalização" na moral começa, portanto, com a reciprocidade no grupo. Ou seja, aprendendo a fazer em grupos, cada vez maiores, aquilo que é bom para nós, começamos a aprender a fazer, no mundo, o que é bom para a humanidade (Menin, 1996).
A moral de autonomia é uma moral onde se considera, por decisão própria, o outro além de mim. No estágio da prática cooperativa das regras, as crianças começam a usar as regras como instrumento de influência mútua. Uma regra passa a ser boa se garante as melhores condições de jogo para todos (Menin, 1996).
A moralidade lida com questões de justiça e bem-estar humano. Assim, os conceitos morais das crianças são promovidos por experiências escolares que se centram em tais preocupações; que solicitam às crianças refletirem sobre tais temas; e que lhes pedem que encontrem soluções para problemas morais genuínos da forma mais justa e adequada possível para todas as partes envolvidas (Nucci, 2000).
O raciocínio moral desenvolve-se quando os alunos identificam inconsistências e insuficiências em suas posições morais. Um dos modos mais efetivos de se promover isso é por meio de discussões em pequenos grupos, caracterizadas por um discurso negociador (Berkowitz, Gibbs, & Broughton, 1985 citado por Nucci, 2000). Dessa forma, amplia-se a probabilidade de que os alunos prestem atenção às consequências morais de se conformarem às normas da ordem social existente. Um modo de se fazer isso é apresentar aos estudantes questões que envolvam sobreposição entre moralidade e convenção, e pedir-lhes que considerem ambos os aspectos morais e convencionais de tais questões (Nucci, 2000).
Sem que se estabeleçam trocas com o meio não haverá nem conhecimento nem ética possíveis. Podemos dizer, também, que o desenvolvimento intelectual, isto é, a possibilidade de raciocínio lógico, a relação de respeito mútuo com o outro e a constituição de uma tábua de valores são condições necessárias para a conduta ética (Freitas, 1999).
A PRÁTICA DO JUDÔ
O judô é um esporte olímpico de combate que surgiu no Japão no fim do século XIX. Mesmo possuindo características fortes da cultura nipônica, o judô foi difundido por todo o mundo, se adequando a diversas culturas, mas mantendo suas características ao ponto de ser convencionado internacionalmente.
O judô, atualmente, é uma das modalidades esportivas que conta com o maior número de atletas federados no Brasil. Porém, o número oficial de praticantes não é conhecido porque além dos atletas federados, muitos estudantes do ensino fundamental e médio e também nas universidades praticam a modalidade sem objetivos competitivos. Estima-se que este número possa chegar à cerca de um milhão de pessoas (Nunes, 2004).
BREVE HISTÓRICO
Após a abertura dos portos do Japão, na Era Meiji, em 1865, iniciou-se um rápido processo de modernização na sociedade japonesa. Muitas artes, costumes e hábitos tradicionais passaram gradualmente a ser renegados de forma que a cultura ocidental era rapidamente absorvida. Os mestres do Ju-Jutsu perderam suas posições oficiais, tendo que procurar outras ocupações ou ainda sobreviver fazendo lutas e exibições em feiras. Nesse período houve um processo muito grande de marginalização das artes marciais no Japão, uma vez que ocorriam disputas entre as escolas como forma de provar qual era o melhor método (Kano, 1986).
Após esse primeiro momento da Era Meiji, ocorreu um movimento contrário às inovações e uma valorização da cultura oriental. O Ju-Jutsu recebeu novamente o reconhecimento como uma arte marcial e passou a ser incorporado pela polícia e marinha japonesas. Porém, a falta de princípios pedagógicos e científicos, além do alto grau de perigo a que os praticantes estavam sujeitos desagradava a indivíduos bem esclarecidos da sociedade (Virgílio, 1986).
Por preocupar-se com os valores éticos e morais que o Ju-Jutsu outrora tivera e por não se achar satisfeito com a pobreza de princípios pedagógicos e científicos do mesmo, Jigoro Kano idealizou a criação de uma arte com um método de ensino que estimulasse estes valores, além de torná-la mais acessível e menos violenta. Para isso, se retirou com alguns alunos para o templo budista de Eishosi, onde reviu os ensinamentos de Ju-Jutsu que recebera (Guedes, 2001). Procurando encontrar explicações científicas aos golpes, selecionou e classificou as melhores técnicas dos vários sistemas de Ju-Jutsu. Estabeleceu normas a fim de tornar o aprendizado mais fácil e racional. Idealizou regras para um confronto esportivo, baseado no espírito do ipom-shobu (luta pelo ponto completo). Procurou demonstrar que o Ju-Jutsu aprimorado, além de sua utilidade para a defesa pessoal, poderia oferecer aos praticantes extraordinárias oportunidades no sentido de serem superadas as próprias limitações do ser humano. Num combate, o praticante tinha como único objetivo a vitória. No entender de Jigoro Kano, isto era totalmente errado. Uma atividade física deveria servir, em primeiro lugar, para a educação global dos praticantes (Calleja, 1982).
A esse grupo de técnicas Jigoro Kano nomeou judô (ju: suavidade; do: caminho, doutrina), ou seja, o caminho da suavidade, pregando os seguintes objetivos: cultura e desenvolvimento do físico, cultura e desenvolvimento da vontade e da moral e capacidade de competir vitoriosamente. Ainda, estabeleceu que para um praticante ser um autêntico judoca, este deveria desenvolver os três objetivos de modo harmonioso. Em 1882 foi fundado o Kodokan, um centro onde poderia ser ensinado o judô (Kano, 1986).
Entretanto, uma das dificuldades encontradas para consolidar o judô foi a de sobrepor o Kodokan de toda a discriminação vinda da sociedade, já que as escolas de artes marciais haviam adquirido a fama de redutos de marginais. Através da instituição de normas restringindo o uso das técnicas para somente as aprendidas no Kodokan, este cresceu em tamanho, virtudes e respeito na sociedade (Virgilio, 1986). O reconhecimento de fato pela sociedade ocorreu somente em 1886, quando o judô Kodokan venceu o Ju-Jutsu Hikosuke Totsuka, que era o expoente máximo do Ju-Jutsu na época, em uma competição comandada e organizada pelo chefe da polícia metropolitana de Tókio. O prêmio máximo para esta competição era a escolha dos instrutores da Academia de Polícia, o que concebia "status" à arte, escola e instrutores.
Por volta de 1889, através de demonstrações e palestras, visitando a Europa e os Estados Unidos, Jigoro Kano inicia o processo de difusão do judô pelo ocidente. Diversos praticantes japoneses se espalharam pelo mundo montando escolas e passando o conhecimento adiante (Calleja, 1982). Na década de 1930, o judô estava sendo difundido em quase todas as nações civilizadas do mundo, entretanto, o termo Ju-Jutsu ainda era empregado no ocidente, mesmo com o nome de Jigoro Kano sendo citado. Enquanto que no Japão o judô teve um progresso estupendo, a sua difusão pelo mundo caminhava lentamente (Reay, 1990).
No Brasil, relata-se que a chegada do judô ocorreu de diferentes formas. Em 1908, com a chegada de imigrantes japoneses, o judô começou a ser praticado em pequenos grupos com objetivo de manter algum laço com a pátria que estava longe e também como atividade social para reforçar os laços entre os imigrantes (Virgilio, 1986).
Outra forma foi através de demonstrações públicas feitas por Mitsuyo Maeda, conhecido por Conde Koma, que chegou ao Brasil em 1914. Iniciou suas demonstrações por Porto Alegre, seguindo depois para outras cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, etc. Após isso, diversos mestres vieram ao Brasil para expor o judô, sendo que alguns se estabeleciam e montavam suas escolas, e dessa forma o judô foi-se consolidando no Brasil (Virgilio, 1986).
CARACTERÍSTICAS
Quando Jigoro Kano pensou na elaboração de um método consistente para a prática do Ju-Jutsu, tinha em mente que o Ju-Jutsu melhorado poderia oferecer aos praticantes a oportunidade de desenvolverem-se tanto física quanto espiritualmente (Calleja, 1982). Ao seu método ele denominou judô. Escolheu este termo para melhor diferenciar do termo Ju-jutsu, pois pretendia elevar o termo "jutsu" (arte ou prática) para "dô" (caminho, doutrina), procurando mostrar que não era apenas uma mudança de nomes, mas que seu novo método possuía uma fundamentação filosófica (Kano, 1986). Sua proposta diferenciava-se fundamentalmente por possuir objetivos claros de promover o crescimento dos seus praticantes e o da sociedade em geral, através dos princípios do Jita Kyoei e Sey Ryoku Zenyou, que podem ser traduzidos por "Bem estar e benefícios para todos" e "Melhor desempenho com menor gasto de energia" (Kano, 1986).
O objetivo principal em uma luta é a vitória por "ippon" ou o ponto completo. Existem diferentes formas de se atingir um ippon: projeção do adversário, imobilização do adversário por um período de tempo, desistência por parte do adversário em função de uma torção ou estrangulamento, reincidência em punições durante o combate ou ainda lesão de um dos competidores. Porém, mesmo sem atingir o ponto completo, um lutador pode vencer o combate através da soma de pontos obtidos durante o mesmo após os cinco minutos de luta. Estes pontos são o wazari e o yuko e são pontuações resultantes de técnicas de projeção que não foram perfeitas, de projeções seguidas de imobilizações ou punições dadas a um atleta que são convertidas em pontos para o adversário, de acordo com regras definidas pela Federação Internacional de Judô (http://www.intjudo.eu/).
Em competições os combates ocorrem entre atletas do mesmo sexo. Dentro dos naipes masculino e feminino, o judô ainda possui divisão por faixa etária e dentro destas ainda há divisão de peso, que são específicas em cada faixa de idade (http://www.intjudo.eu/).
O judogui é a indumentária utilizada pelo praticante de judô para treino e competição. Segundo Virgílio (1986), sua criação veio da necessidade da utilização de uma roupa simples e que resistisse à pegada e aos arremessos. É composto pelo casaco (wagui), pela calça (shitabaki), pela faixa (obi) e pelo chinelo (zori). Há apenas alguns anos foi adotada, em nível internacional, a utilização do judogui azul (http://www.intjudo.eu/).
Para que houvesse melhor difusão e adaptação do judô na cultura ocidental, foi criado, por Mirinozuke Kawaishi, um sistema de graduações. Segundo Guedes (2001), as graduações indicam o nível técnico dos praticantes. Para os adolescentes, a troca de faixa representa um meio de motivação, já que servem como uma forma de reconhecimento do valor físico e moral (Guedes, 2001).
TÉCNICAS E FORMAS DE ENSINO
Como forma de facilitar o aprendizado de iniciantes, Jigoro Kano dividiu as técnicas de projeção em cinco grupos, o Gokio (go = cinco, kio = grupos). Nestes grupos, as técnicas estão classificadas conforme a dificuldade de projeção e de queda. Posteriormente, foram feitas outras revisões e alterações, resultando no Gokio que é utilizado até hoje nas escolas de judô. Nada impede que um iniciante aprenda técnicas que sejam de um grupo posterior ao de sua graduação, porém, para fins de exames de graduação, um aprendiz precisa dominar as técnicas relativas ao grupo no qual se encontra.
Mesmo recebendo contestações sobre seus princípios pedagógicos, o Gokio é utilizado como base para o ensino de técnicas para iniciantes, sendo que muitas outras técnicas que não estão relacionadas neste são classificadas como extra-gokio, e geralmente são ensinadas para alunos em estágio avançado de treinamento.
O ensino de técnicas de imobilização e as atividades de luta de solo são muito utilizados nos estágios iniciais de aprendizagem, uma vez que, pelo fato de um aprendiz não ter um bom nível de destreza em ser projetado, estas atividades proporcionam um contato inicial com o combate em si, o que já é um fator de motivação para um aprendiz que ainda não pode realizar combates em pé. Para o aprendizado e treinamento de judô, um professor ou treinador pode se utilizar de diversas alternativas. Apesar de o judô apresentar formas tradicionais de aprendizado e treinamento, estas podem ser adaptadas de acordo com a faixa etária e graduação dos alunos (Virgilio, 1986).
RELAÇÕES ENTRE A PRÁTICA DO JUDÔ E O DESENVOLVIMENTO MORAL
A prática esportiva pode proporcionar às crianças oportunidades ricas de desenvolvimento, tanto físico quanto cognitivo. Segundo Freire e Soares (2000), além de garantir o desenvolvimento educacional físico e de cooperação entre os colegas, o esporte proporciona desafios físicos e mentais e contribui para o desenvolvimento social, promovendo a identidade social e grupal.
Uma alternativa de prática esportiva para crianças é o judô. Além dos benefícios físicos, uma aula de judô voltada para os princípios filosóficos no qual foi criado pode possibilitar que as crianças possam desenvolver-se moralmente, na medida em que as coloca frente a situações onde o autocontrole e a reflexão são estimulados.
Segundo Villamón e Brousse (2002), além de ser uma atividade de relaxamento e de prazer, o judô é uma prática esportiva que desenvolve no aluno a concentração e a possibilidade de analisar e conviver com situações de sucesso e fracasso. Além de sua utilidade para a defesa pessoal, as lutas podem oferecer extraordinárias oportunidades de crescimento pessoal aos praticantes, pois proporcionam que sejam superadas as próprias limitações do ser humano. O objetivo num combate não estaria centralizado somente na vitória. Uma luta ou qualquer atividade física serviria, em primeiro lugar, para a educação global dos praticantes (Kano, 1986).
O judô, assim como outras atividades de luta, trabalha com os componentes éticos ao colocar numa posição central o respeito às pessoas e aos locais de prática. Desenvolve uma cultura que favorece o domínio de si mesmo, uma vez que procura criar meios de controlar os comportamentos impulsivos e a violência (Hokino & Casal, 2001). No confronto físico, as situações vivenciadas pelo aluno o levam a manifestar sua vontade de vencer, entretanto, seu comportamento está vinculado aos rituais e às regras que são compartilhadas pelos outros, que como ele, persegue o mesmo objetivo. Da mesma forma, do ponto de vista do desenvolvimento moral, é esperado que a criança desenvolva o sentimento de cooperação e respeito mútuo, a partir da entrada no período da autonomia, de acordo com Piaget (1932/1994). Para este autor, é a cooperação com os colegas a condição necessária para o desenvolvimento moral.
Ao seguir as regras e etiquetas, herdadas da cultura nipônica, como as saudações, os alunos são estimulados a criar o respeito pelo sensei e pelos demais colegas judocas, além do respeito ao local de prática. A postura do professor deve ser a de sempre lembrar os seus alunos de executarem as saudações, explicando o significado de cada saudação para que a mesma faça sentido na atividade que está desenvolvendo e que valorize o respeito pelo outro. Para Piaget (1932/1994), as regras se transmitem de geração em geração e se mantêm unicamente graças ao respeito que os indivíduos têm por elas. Não são obrigatórias por causa de seu conteúdo, mas pelo fato de emanarem de indivíduos respeitados (Freitas, 2002).
A saudação ao colega, tanto na vitória como na derrota, proporciona uma vivência de respeito. A criança na fase heterônoma do seu desenvolvimento moral ainda não entende o significado real do cumprimento. Para ela, o cumprimento funciona como uma regra do judô, e, observando que o adulto e também crianças mais velhas o fazem, entende que aquilo é o certo a fazer de quem é judoca e, portanto, repete o gesto.
O princípio básico da saudação é a demonstração de respeito e confiança que as pessoas têm uma pela outra. Ao curvar-se em saudação a outro judoca, a criança heterônoma vai aos poucos incorporando o gesto à sua consciência, e gradualmente a criança aprende a ter confiança e também a demonstrar confiança no outro. O importante na saudação é que seja desenvolvida a consciência das regras e a internalização do que é certo e errado, e que aos poucos se perca a necessidade da figura de autoridade determinando o tempo todo o que deve ser feito.
Para tanto, é importante que o sensei sempre trabalhe o sentido da saudação. Faz-se a saudação ao entrar no dojô por respeito ao espaço de treino; se faz saudação ao sensei por respeito ao professor, por tudo que ele aprendeu e está disposto a repassar aos alunos; se faz saudação ao retrato do Sensei Jigoro Kano em respeito à memória da pessoa que idealizou o judô que hoje se pratica; se faz saudação aos colegas em respeito às pessoas que compartilham dos mesmos interesses. Esses podem ser alguns dos sentidos que o sensei pode passar aos seus alunos.
A partir da aquisição de confiança e da internalização das regras, a criança passa a fazer saudação por respeito, confiança, coleguismo e amizade pelo outro. A criança passa a assumir características de uma moral autônoma, que inclui o respeito mútuo, capacidade de cooperação e sentimentos de reciprocidade. Para Piaget (1932/1994), a autonomia significa auto-governar-se, considerando o melhor para todos. Há uma autodisciplina e participação responsável nas decisões.
Tratamos agora de outro exemplo nas aulas de judô: o treino de técnicas e o combate. As crianças em fase heterônoma possuem enorme resistência quando colocadas frente a outro colega para o aprendizado de técnicas. Para elas, toda atividade que envolva uma criança frente à outra será vista como um combate. Não há ainda o entendimento de que, para se aprender a execução de qualquer técnica, é necessário que exista cooperação entre os colegas.
Entre as formas tradicionais do treino de judô, temos o uchi komi (treino de repetição, sem resistência), onde é necessário "deixar-se" derrubar pelo colega. As crianças na fase heterônoma possuem uma enorme resistência para "deixar-se" derrubarem e normalmente só o fazem porque se vêem sob o olhar do sensei, com medo da sua repreensão. Isso acontece porque, para Piaget (1932/1994), durante o período de heteronomia, há um respeito às regras ditadas pelas figuras de autoridade. A criança obedece pelo afeto que sente e por medo das sanções e há um respeito unilateral, seguindo uma moral da obediência.
A criança heterônoma não tem o entendimento que um combate no judô está além de indicar ganhadores e perdedores. Pode-se enxergar no combate uma atividade de cooperação, onde se coloca à prova o conhecimento adquirido frente a uma pessoa que também busca a mesma coisa. Aprende-se tanto na vitória quanto na derrota. Mas para a criança, se houver derrota, isso é sentido como ruim, pois a sua vontade, que era a de vencer seu colega, não se concretizou. É um pensamento tipicamente heterônomo e egocêntrico. Neste período da heteronomia, ainda é difícil para a criança colocar-se no lugar do outro, descentrando seu ponto de vista, e predomina o pensamento egocêntrico, voltado ao seu próprio desejo e ponto de vista. No entanto, a educação deveria favorecer o desenvolvimento afetivo-moral, para que o sujeito conquistasse a autonomia intelectual, afetiva e moral, com base no exercício das descentrações e nas leis de reciprocidade construídas nas interações com o meio (Piaget, 1932/1994).
Para que a criança então supere esse pensamento, o trabalho do sensei é importante, na medida em que valoriza o que a criança fez de bom e indica o que faltou com autoridade, mas também com afetividade. Naturalmente e com esse tipo de estímulo, a criança passa a perceber os princípios de um combate e toma consciência de que, respeitando o colega que a derrotou, este irá respeitá-la quando a situação se inverter. Passa a existir então o respeito mútuo entre as partes. Segundo Piaget (1932/1994), o respeito mútuo implica a necessidade da não-contradição moral: não se pode, ao mesmo tempo, valorizar o seu parceiro e agir de modo a ser desvalorizado por ele. Uma norma moral adotada por um indivíduo em relação a outro não pode ser contraditória em relação àquelas que ele aplica a um terceiro, nem em relação àquelas que ele gostaria que se observasse em relação a ele próprio. É somente em uma relação de respeito mútuo entre personalidades autônomas que é possível, simultaneamente, a diversidade e a igualdade (Freitas, 2002).
A criança percebe que, se ela seguir as normas e etiquetas do judô para com seus colegas e o sensei, os outros farão o mesmo com ela. Aos poucos ela vai entendendo que para que ela receba uma saudação, é necessário que ela também a faça, caracterizando dessa forma, uma atitude de reciprocidade. Segundo Freitas (2002), a relação de cooperação impõe a norma de reciprocidade que obriga cada um a se colocar mentalmente no lugar do outro. Dessa forma, a substituição recíproca de pontos de vista é a condição que define a reciprocidade. Respeitar o outro consiste em atribuir à sua escala de valores um valor equivalente ao da sua própria escala. Com isso, o sujeito terá dado o primeiro passo em direção à conquista da sua consciência moral autônoma.
Em qualquer situação de uma aula de judô, ao se conscientizar que a melhora no seu desempenho técnico depende dos seus colegas, a criança automaticamente estará incorporando o respeito pelos outros alunos, mesmo que no início não haja ainda uma compreensão clara de como funciona esse respeito. Assim, para favorecer o desenvolvimento da autonomia é importante que sejam criadas situações em grupo, onde possam ser estabelecidas relações em que haja respeito mútuo e cooperação - educação para viver em grupo.
As atividades de cooperação, num ambiente de respeito mútuo, embasadas na afetividade, podem preservar do egoísmo e do orgulho, auxiliando a criança no longo processo de descentração, conduzindo-a gradativamente da heteronomia para a autonomia moral. As relações de cooperação representam justamente aquelas que vão pedir e possibilitar esse desenvolvimento. A cooperação pressupõe a coordenação das operações de dois ou mais sujeitos. Portanto, não há mais assimetria, imposição, repetição, crença etc. Há discussão, troca de pontos de vista, controle mútuo dos argumentos e das provas (La Taille, 2000). Vê-se que a cooperação é o tipo de relação interindividual que representa o mais alto nível de socialização e é também o tipo de relação interindividual que promove o desenvolvimento (La Taille, 2000).
O judô por si só, traz arraigado princípios e valores bastante positivos. Porém, como em qualquer outra atividade esportiva, o judô só contribuirá na formação moral de seus praticantes se o sensei (professor) estiver comprometido com os princípios e valores que originaram o desporto. Assim, o ensino através do judô deve ser visto como uma forma de colaborar com a formação das pessoas, de maneira que o aluno se insira na sua sociedade como um bom cidadão. Nesse sentido, o judô é uma prática que pode colaborar na formação dos indivíduos, auxiliando-os a se inserirem em sua sociedade com valores morais e atitudes social e culturalmente aceitas.
Considerações Finais
Nesse artigo procuramos estabelecer relações entre dois temas importantes: o judô como prática esportiva e o desenvolvimento moral de crianças. Inicialmente, apresentamos conceitos teóricos formulados por pesquisadores e psicólogos a respeito do desenvolvimento moral de crianças, levantando questões acerca de como se processa o desenvolvimento da moral, suas fases e estágios, características de cada estágio e estratégias para uma educação para a autonomia moral.
Em seguida foi apresentada uma revisão teórica sobre o judô, uma prática esportiva japonesa, com princípios filosóficos bem definidos que remetem à cultura nipônica, assim como um histórico dessa arte no Brasil. Passamos pelas características da modalidade esportiva, bem como suas técnicas, sistemas de graduação e os princípios filosóficos que a regem.
Num terceiro momento, buscamos relacionar a prática do judô com o desenvolvimento moral de crianças, identificando situações que acontecem em uma aula de judô e as atitudes que são trabalhadas com as crianças. Assim, buscamos verificar as contribuições que a prática dessa modalidade esportiva pode trazer para o desenvolvimento da moral de seus praticantes. Uma verificação importante é que o judô só poderá contribuir com a formação moral se o professor estiver comprometido com os princípios que o regem. Dessa forma, se esta prática esportiva for utilizada com vistas à competição e busca de vitórias, sem trabalhar as atitudes dos alunos de respeito e cooperação, dificilmente este desenvolvimento poderá ser alcançado. Para isso é necessário que o professor se utilize dos conhecimentos sobre a educação moral e os incorpore às suas aulas, conscientizando os alunos de que as atividades são de cooperação entre os colegas e que só assim é possível haver o crescimento de todos, tanto técnica e física quanto moralmente.
Pode-se observar que existem poucas pesquisas que relacionam os dois temas e poucos estudos que tratam do judô sobre o aspecto cognitivo. Encontramos alguns trabalhos, entre eles o de Hokino e Casal (2001), que relacionam o judô com a questão da agressividade e violência.
Tendo em vista que o judô é uma prática esportiva bastante popular em escolas, dirigentes e educadores vêem nessa prática esportiva um meio de colaborar com a educação das crianças e tentar conter a indisciplina. Para Longarezi (2003), a indisciplina, que é apontada como um dos principais obstáculos enfrentados por pais e professores em relação à educação, denota a falta de noções de regras e limites por parte das crianças. Isso reforça a relação que se estabelece entre o comportamento indisciplinado da criança e sua formação moral, indicando, portanto, que a raiz desse problema está, também, no tipo de educação moral que as crianças vêm recebendo.
Dessa forma, destaca-se a importância de que o tema do desenvolvimento moral e a relação com as práticas esportivas, neste caso o judô, possa ser mais pesquisado, discutido e analisado. Estudos que investiguem o desenvolvimento moral, de forma longitudinal, junto a crianças que praticam o judô, poderiam trazer contribuições para a compreensão de como uma prática esportiva baseada em regras e normas pode colaborar no desenvolvimento integral das crianças. Ressaltamos, também, que seria muito importante que a formação do professor de Educação Física incluísse o estudo do desenvolvimento moral, visto que este profissional utiliza as modalidades esportivas como uma de suas ferramentas de trabalho, práticas que proporcionam benefícios físicos e cognitivos, além de trabalhar com questões de regras e respeito a essas regras. Assim, um maior conhecimento sobre o processo de aquisição das regras, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico e moral, poderia contribuir para que estes profissionais trabalhassem de forma mais integrada junto às crianças.
Referências
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