Lesões musculoesqueléticas em praticantes de judô






INTRODUÇÃO

Classicamente, o judô é uma das modalidades esportivas mais praticadas no mundo, constituída por um grande número de técnicas e bases filosóficas de grande valor na formação do indivíduo1), (2. Entretanto, a prática sistemática de judô integra situações variadas de contato físico e exigências técnicas específicas de agilidade, velocidade, coordenação motora, potência e, sobretudo, força física para execução de golpes, com alta competitividade2. Quando conjugadas ao contínuo requerimento por aprimoramento físico e técnico comum ao treinamento físico competitivo, essas demandas podem se constituir em fatores predisponentes à instalação de lesões musculoesqueléticas (LME)3), (4.

No contexto fisiopatológico, além de demandas específicas da modalidade, a ocorrência de LME tem natureza multifatorial e está associada a diferentes características, incluindo-se atributos intrínsecos, como sexo, características antropométricas, condição física, histórico de treinamento, entre outros3), (4. Embora diferentes fatores possam modular a susceptibilidade à instalação de LME, sua identificação isolada possui potencial impreciso ao não se considerar a possível interação entre diferentes agentes de natureza extrínseca e/ou intrínseca3), (4. Nesse aspecto, poucos trabalhos mostraram a relação entre essas características e a ocorrência de LME no judô1), (5), (6), (7. Levando-se em conta a revisão de Pocecco et al.6, grande parte desses estudos são relatos transversais breves, integrando participantes de competições5), (6), (7. Além disso, embora as lesões articulares sejam altamente prevalentes5, não foram encontrados estudos que tenham descrito a relação entre características extrínsecas e/ou intrínsecas e a ocorrência de agravos específicos derivados da prática competitiva de judô.

Este trabalho foi proposto para caracterizar a ocorrência de LME e analisar a relação entre diferentes características e a instalação de agravos em esportistas praticantes de judô. Como hipótese inicial, espera-se que as lesões articulares em membros inferiores e decorrentes de traumas sejam as mais prevalentes entre os judocas. Na perspectiva fisiopatológica, admite-se que sexo e massa corporal7 configurem-se como os principais fatores relacionados à instalação de lesões na modalidade de judô.

METODOLOGIA

Natureza e casuística do estudo

Este estudo é predominantemente descritivo e tem natureza transversal retrospectiva. A casuística foi constituída de forma intencional e abrangeu 111 praticantes de judô de Campo Grande (MS), com registro na Federação de Judô de Mato Grosso do Sul (FJMS). Para determinação do tamanho amostral sob nível de significância de 95%, foi estipulada prevalência mínima de 98,7%, conforme documentado em estudo prévio1, que integrou público-alvo com descrição similar à casuística deste trabalho. Assim, tendo por base a população de atletas confederados e residentes em Campo Grande (MS), que é constituída por aproximadamente 1.640 judocas, obteve-se amostragem mínima de 95 sujeitos para serem incluídos no estudo.

Sobre faixa etária, foram considerados somente esportistas com idade igual ou superior a 12 anos completos. Não foram incluídos no estudo voluntários com histórico de prática esportiva menor do que um ano ou sob recuperação de LME, ou outra condição inflamatória. Os participantes e/ou seus responsáveis foram informados sobre os objetivos da pesquisa e do caráter voluntário de participação. Todos os sujeitos ou seus responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com parecer número 575.782/2014.

Procedimentos de registro e caracterização de LME

Os procedimentos de coleta de informações foram feitos no início da temporada de 2015 para minimizar os efeitos de atividades de treino e eventuais competições. As informações sobre peso e estatura foram obtidas por meio de entrevistas. A obtenção de dados se iniciou com a abordagem do participante e/ou de seu responsável, seguida por solicitação e registro de anotações. Para caracterização geral dos voluntários, além de dados antropométricos, foram tomadas informações sobre histórico de prática de judô, dominância lateral e categoria.

A coleta de informações sobre LME foi realizada por inquérito de morbidade referida, ferramenta muito utilizada para registro de agravos à saúde em geral, não demandando avaliação clínica ou exame complementar8. Todos os procedimentos de coleta foram realizados por um único pesquisador, treinado no manejo do inquérito de morbidade, desde a abordagem ao participante até as anotações protocolares e de procedimentos clínicos. Vale ressaltar que a casuística foi constituída por esportistas confederados, com histórico de prática competitiva igual ou maior a um ano. Variados autores3), (9), (10), (11 utilizaram instrumento semelhante, com a justificativa da importância da LME para o atleta de competição, para coletar informações retroagindo a períodos longos desde a instalação do agravo até o momento da entrevista.

Para efeito de estudo, as LME foram definidas como qualquer condição associada à vigência de dor e/ou disfunção musculoesquelética derivada de circunstâncias de treinamento ou competições, causando alteração e/ou interrupção da prática de atividades esportivas integradas ao treinamento da modalidade, seja em forma, duração, intensidade ou frequência12. O conceito de lesão esportiva utilizado neste trabalho foi esclarecido a cada participante do estudo na ocasião de abordagem prévia à entrevista para tomada de informações. Foram consideradas as lesões vigentes em até 10 anos de prática regular de judô. O presente período integra a atuação regular da maioria dos participantes como atletas inscritos na FJMS.

Para caracterização das LME, foram obtidos dados sobre ocorrência, natureza, frequência, localização anatômica e condição causadora de lesão. Quanto à natureza, foram consideradas lesões miotendíneas, articulares e ósseas; para a definição de localização anatômica, foram descritos segmentos de cabeça e pescoço, tronco, membros superiores e membros inferiores. Em relação à condição causadora, optou-se pelo registro de circunstâncias de treino físico, que integraram atividades de aquecimento e treinamento resistido em academia, treino técnico, constituído por gestual específico do judô sem combate, ou traumas de luta, essencialmente ligadas a lutas em treinos e/ou competições.

Os participantes foram também inqueridos sobre a eventual necessidade de requisição por abordagem médico-terapêutica para cada caso de LME. Isso foi considerado nas ocasiões em que a LME repercutiu em abordagem e tratamento por algum profissional da Saúde13. Já o regresso às atividades esportivas foi classificado como sintomático ou assintomático, levando-se em conta persistência de dor e disfunção ao retorno, como também retomada de atividades esportivas. Em relação ao tempo de afastamento, a severidade das LME catalogadas foi descrita segundo três categorias: leve (até 7 dias de afastamento), moderada (8 a 28 dias) e grave (acima de 28 dias)1), (14), (15.

Análise estatística

Os resultados de ocorrência de LME foram expressos no formato descritivo. A taxa de lesão por 1000 horas de exposição foi obtida a partir da relação entre número de lesões e horas de exposição multiplicada por 100016. Para análise dos dados de proporção, foi utilizado o teste de Goodman para contrastes entre e dentro de populações multinomiais17. Para investigar a relação entre fatores associados com lesão e ocorrência de LME, foi construído modelo de regressão logística com desfecho binário.

Com base na associação entre fatores associados e agravos no judô, foi realizada análise de ocorrência de lesões, segundo carga horária de exposição e sexo. Para tanto, a variável carga horária foi categorizada em duas classes ordinais, adotando-se a mediana como medida dicotômica. Para comparar a taxa de ocorrência de lesões por 1000 horas de exposição segundo carga horária e sexo, foi utilizado teste t de Student. Todas as conclusões foram discutidas para 5% de significância estatística.

RESULTADOS

A casuística foi constituída por 71 homens e 40 mulheres. No contexto demográfico e antropométrico, possuíam 22,0±7,9 anos de idade, 70,6±13,1 kg de massa corporal, 171±10 cm de estatura e 79,7±57,5 meses de prática de judô. A carga horária semanal de prática de treinamento de judô totalizou 7,54±1,67 horas.

No aspecto epidemiológico, foram registrados 135 casos retrospectivos de LME derivados da prática de judô, com prevalência de acometimentos equivalente a 64,8% (72 participantes). A taxa de ocorrência totalizou 1,22 LME/atleta, 1,90 LME/atleta lesionado e 1,36±0,87 LME/1000 horas de exposição. Todas as ocorrências se deram em período competitivo de treinamento.

Considerando-se a distribuição de LME segundo natureza e mecanismo causal, a maioria dos relatos foi constituída por lesões articulares traumáticas (n=50 casos, 37%; Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição relativa (%) e absoluta de lesões musculoesqueléticas no judô segundo natureza e condição etiológica  

Natureza Condição etiológica Total
Treino físico (%) Trauma (%) Treino técnico (%)
Miotendínea 14,6 (7) 81,3 (39)* 4,2 (2)# 100,0 (48)
Articular 7,4 (4) 92,6 (50)* 0,0 (0)# 100,0 (54)
Óssea 0,0 (0) 93,9 (31)* 6,1 (2)# 100,0 (33)
Total 11 120 4 135

*p<0,05 versus treino físico; #p<0,05 versus trauma; †p<0,05 versus miotendínea. Teste de Goodman para contraste entre e dentro de populações multinomiais.

Entre as lesões articulares derivadas de traumas, no Gráfico 1, pode-se comprovar que entorse de tornozelo (17 casos, 34%) e luxação de ombro (12 casos, 24%) foram as principais ocorrências notificadas.

Gráfico 1 Proporção de LME de natureza articular segundo local e mecanismo de instalação 

Ademais, a distribuição de LME segundo natureza e região anatômica é apresentada na Tabela 2. As lesões ósseas foram as mais frequentes nos membros superiores (27 casos; 20,0%), enquanto as miotendíneas (24 casos; 17,8%) e as articulares (25 casos; 18,5%) se destacaram nos membros inferiores. Em termos absolutos e relativos, as lesões articulares em membros superiores (26 casos; 19,3%) e inferiores (25 casos; 18,5%) configuraram-se como os principais registros.

Tabela 2 Distribuição relativa (%) e absoluta de LME no judô segundo natureza e região anatômica de instalação  

Natureza Localização Total
Cab/Cerv (%) MMSS (%) Tronco (%) MMII (%)
Miotendínea 0,0 (0) 41,7 (20)* 8,3 (4)# 50,0 (24)*$ 100,0 (48)
Articular 1,9 (1) 48,1 (26)* 3,7 (2)# 46,3 (25)*$ 100,0 (54)
Óssea 3,0 (1) 81,8 (27)*† 3,0 (1)# 12,1 (4)#†£ 100,0 (33)
Total 2 73 7 53 135

Cab/Cerv: cabeça e região cervical; MMSS: membros superiores; MMII: membros inferiores. *p<0,05 versus Cab/Cerv; #p<0,05 versus MMSS; $p<0,05 versus tronco; †p<0,05 versus miotendínea; £p<0,05 versus articular. Teste de Goodman para contraste entre e dentro de populações multinomiais

A proporção de LME segundo natureza e severidade é exposta na Tabela 3. Constata-se que a maioria dos relatos integrou lesões articulares de moderada severidade (28 casos; 20,7%) e ósseas graves (25 casos; 18,5%).

Tabela 3 Distribuição relativa (%) e absoluta de LME no judô, segundo natureza e severidade  

Natureza Severidade Total
Leve (%) Moderada (%) Grave (%)
Miotendínea 25,0 (12) 41,7 (20) 33,3 (16) 100,0 (48)
Articular 18,5 (10) 51,9 (28)* 29,6 (16) 100,0 (54)
Óssea 12,1 (4) 12,1 (4)†£ 75,8 (25)*#†£ 100,0 (33)
Total 26 52 57 135

*p<0,05 versus leve; #p<0,05 versus moderada; †p<0,05 versus miotendínea; £p<0,05 versus articular. Teste de Goodman para contraste entre e dentro de populações multinomiais

A maioria das lesões (97 casos, 72%) repercutiu em necessidade de abordagem médico-terapêutica. Contudo, constatou-se que 76 casos (56%) se relacionaram com manifestação sintomática de dor/disfunção ao retorno das atividades.

Sobre a relação entre fatores associados a lesão e ocorrência de LME no judô, a análise de regressão logística mostrou que o risco de lesão é menor no sexo feminino (p=0,008; OR=0,18; IC 95%, 0,05-0,63). Em contraste, as chances de lesão aumentam em mais de 60% a cada incremento de 50% na carga horária semanal de treinamentos (p=0,009; OR=1,64; IC 95% 1,13-2,38). O modelo de regressão obtido mostrou ajuste estatisticamente significativo (p<0,001).

Tabela 4 Coeficientes de regressão logística binária para os fatores associados a LME no judô 

Fator de Risco Regressão logística
Coeficiente OR IC (95%) p-value
Linf Lsup
Constante 3,664 - - - 0,522
Sexo feminino -1,738 0,176 0,049 0,629 0,008*
Idade 0,043 1,044 0,956 1,140 0,336
Estatura -4,900 0,007 0,000 29,716 0,247
MC -0,010 0,990 0,927 1,057 0,763
HT -0,008 0,992 0,978 1,007 0,314
CHsem 0,496 1,642 1,130 2,384 0,009 *
MdomD 0,407 1,503 0,422 5,344 0,529
Categoria (faixa)




Branca 37,778 2,552 × 1016 0,000 - 1,000
Cinza 38,416 4,828 × 1016 0,000 - 1,000
Azul 1,856 6,397 0,620 66,034 0,119
Amarela 1,611 5,006 0,452 55,447 0,189
Laranja 0,726 2,068 0,204 20,979 0,539
Verde 0,262 1,300 0,163 10,391 0,805
Roxa 1,469 4,343 0,629 29,968 0,136
Marrom -0,204 0,815 0,126 5,279 0,830

OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança; Linf: limite inferior; Lsup: limite superior; MC: massa corporal; HT: histórico de treinamento; CHsem: carga horária de treinamento semanal; MdomD: membro dominante direito. *p<0,05

Neste estudo, a maioria dos casos de lesão foi documentada por judocas do sexo masculino (82 casos; 60,7% do total), o que resultou em 2 LME/atleta lesionado, comparado a 1,71 LME/atleta lesionado do sexo feminino. Apesar disso, a amostra de judocas mulheres revelou maiores taxas de prevalência (77,5% versus 56,3% dos homens), ocorrência de lesões por atleta (1,33 versus 1,15 LME/atleta nos homens) e por 1000 horas de exposição (1,40±0,16 versus 1,26±0,14 LME/1000 horas nos homens; p>0,05), em comparação aos participantes masculinos.

No grupo feminino, o maior número de casos se concentrou entre judocas com exposição semanal maior ou superior a 7 horas de treino (34 casos de LME; 65,4% do total). Além disso, as participantes com exposição semanal maior do que 7 horas de treino mostraram maiores resultados de prevalência (51,6% versus 45,2%) e taxa de ocorrência de agravos (2,13 LME/atleta versus 1,29 LME/atleta), em comparação ao grupo de menor exposição, com até 7 horas de carga horária. Entre os homens, a taxa de ocorrência foi ampliada no grupo com carga horária superior a 7 horas de treinamento semanal (2,71 LME/atleta versus 1,63 LME/atleta).

DISCUSSÃO

Este estudo teve por finalidade analisar as LME e investigar a relação entre diferentes características e a instalação de lesões em judocas. As lesões articulares derivadas de condições traumáticas afetando regiões segmentares de membros superiores e inferiores constituíram os principais registros. Sexo e carga horária semanal de treinamento foram os principais fatores associados à ocorrência de LME, corroborando-se, portanto, grande parte das hipóteses iniciais. Porém, a relação entre atributos antropométricos e ocorrência de LME não se materializou neste trabalho.

O judô, assim como outras modalidades de luta e esportes de contato, apresenta importante número de LME entre praticantes5), (18. Neste estudo, foram documentados 135 LME derivadas da prática sistemática de judô e que envolveram a maioria dos participantes (65%), um valor semelhante às taxas recentemente vistas em atletas de elite19), (20), (21. O índice de ocorrência de 1,22 LME/atleta foi muito próximo ao valor obtido por Souza et al.21, de 1,18 LME/atleta, analisando judocas brasileiros de alto rendimento. É importante esclarecer que nossa casuística foi integralmente constituída por esportistas federados e com experiência competitiva em diferentes torneios nacionais. Aproximadamente 45% da amostra (52 participantes) integravam as três categorias de maior nível técnico do judô: faixas roxa (n=13), marrom (n=21) e preta (n=18).

Nessa perspectiva, independente da natureza, a ocorrência de LME se associou a situações de trauma/contato. No contexto extrínseco, lesões comuns ao judô são muito relacionadas a movimentos específicos, que incluem ações de puxar, empurrar, arremessar e estrangular2. A prática da modalidade é caracterizada por intenso contato corporal e movimentos em cadeia cinética fechada1), (2), (5), (6, o que repercute em importante sobrecarga articular, seja em posição ortostática ou em combate solo. Quedas decorrentes de arremessos e/ou projeções por ação do oponente têm constituído a principal causa de lesões, respondendo por 70% dos casos de LME22), (23. O ippon, considerado o golpe perfeito, ocorre devido à projeção do adversário em queda com as costas por completo no tatame, o que contribui para numerosas situações de trauma2.

Diferentemente, a ocorrência de lesões miotendinosas superou a instalação de agravos articulares em circunstâncias de treinamento físico (Tabela 1), integradas por atividades de aquecimento, treinamento físico resistido ou treino técnico. Tais condições são essencialmente ligadas a demandas de força, potência e flexibilidade, executadas em cadeia cinética aberta, e com importante sobrecarga miotendínea1), (2), (11.

Os casos de entorse de tornozelo e luxação de ombro constituíram-se como os principais registros de lesão articular traumática (Gráfico 1). Diferentes autores1), (7 relatam que LME no ombro são associadas a técnica inadequada, combinada a quedas e/ou contato direto com adversário de maior porte físico. No combate, ocorrem mudanças dinâmicas de posição devido à movimentação, requerendo do judoca combinações de força e resistência para controlar a distância entre ele e o oponente1), (2. No gestual de ataque, são verificadas importantes demandas de potência muscular de membros inferiores2, o que também confere sobrecarga em joelhos e tornozelos.

Levando-se em conta a severidade das lesões, constatou-se maior ocorrência de lesões classificadas como grave (afastamento superior a 28 dias), destacando-se os casos de natureza óssea. De fato, os intervalos de tempo necessários para o processo de recuperação e consolidação do tecido ósseo após ocorrência de fraturas totalizam, em média, 28 a 30 dias de afastamento24. Por sua vez, as lesões articulares de moderada severidade (8 a 28 dias de afastamento) tiveram maior frequência absoluta. Em revisão sistemática, Pocecco et al.5 concluíram que luxações e entorses articulares são mais prevalentes entre atletas adultos e competidores de elite, os quais têm maiores níveis de força muscular25. Como já referido, a casuística deste trabalho tinha grande parcela de atletas de nível competitivo, sendo 75 adultos (68%) e com importante histórico de prática.

Ainda, sexo e carga horária semanal emergiram como os principais fatores preditivos para ocorrência de LME. Há relatos conflitantes sobre diferenças na predisposição de homens e mulheres a LME no judô26), (27. Enquanto autores mostraram semelhanças26, há também evidência de maior risco de LME para homens27. Na perspectiva biomecânica, esportistas de elite de ambos os sexos utilizam técnicas similares em combates olímpicos28. Nesse sentido, é provável que a maior susceptibilidade de judocas masculinos esteja ligada à maior competitividade e/ou diferenças de categoria. Com razão, os homens concentraram a maior parte dos casos de lesão neste trabalho. Outros autores constataram maior ocorrência de LME com a evolução técnica no processo de graduação por faixas29.

Combinado ao sexo, a carga horária semanal constituiu outro fator associado com a ocorrência de LME. Para a melhora do desempenho atlético, as sobrecargas de treino devem ser acompanhadas por discreta fadiga e reduções agudas no desempenho, alternadas com períodos apropriados de recuperação30. Quando a sobrecarga excessiva de treinamento é combinada com recuperação inadequada, há instalação do estado de supratreinamento (overtraining)30. De fato, a exposição semanal maior do que 7 horas de treino culminou em altas taxas de ocorrência de lesões no sexo feminino (2,13 LME/atleta) e masculino (2,71 LME/atleta). Com a maior demanda, portanto, tem-se a ampliação da susceptibilidade do judoca à ocorrência de LME.

Por fim, cabe esclarecer que o treinamento de judô em nossa realidade caracteriza-se pela sistemática repetição de técnicas ofensivas e defensivas e, sobretudo, o sparring, baseado no duelo livre entre dois ou mais lutadores. Tem-se, portanto, que o exaustivo aprimoramento de combate, requisitado na prática competitiva de judô, aliado à carência de preparação física decorrente da não sistematização do treinamento, podem ter colaborado para a maior ocorrência de LME traumáticas, majoritariamente ligadas a ocasiões de combate. Possivelmente, essas características contribuíram para o papel minoritário de outras condições etiológicas e específicas do treinamento físico e técnico de judô, incluindo-se solicitações biomecânicas e fisiológicas, como mecanismos causadores de LME, neste estudo.

Além dessas limitações relacionadas à conveniência amostral, não se pode descartar o possível viés de memória retrospectiva dos participantes, considerando-se o delineamento transversal desta investigação. Portanto, futuros estudos necessitam ser conduzidos para confirmar se os achados deste trabalho são também observados em análises longitudinais e entre atletas de judô de outras localidades e centros de treinamento. Da mesma forma, é importante que o potencial de intervenções preventivas, como treinamento proprioceptivo segmentar, seja investigado na busca da instituição de medidas profiláticas para tratamento e preservação da saúde do atleta de judô.

CONCLUSÃO

As lesões articulares traumáticas com localização em ombro e no tornozelo ou pé foram as principais LME no judô. Sexo masculino e maior carga horária semanal constituíram os principais fatores associados com a instalação de LME entre judocas.

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POR:

Ana Laura Gil Manzato1 

Hugo Parra de Camargo1 

Dayana das Graças2 

Paula Felippe Martinez2 

Silvio Assis de Oliveira Júnior2 



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